domingo, 4 de novembro de 2018

procuro um coração

eu perdi meu coração.
acho que ele está tão bem guardado
que eu nem sei mais onde o deixei
trancado num quarto velho e escuro
agora lacrado com aviso de perigo
ou talvez o tivesse largado
e por aí ele foi servir de papel de presente
para quem não sabe que meu coração
é muito mais do que aquele pedaço de papel.
o tempo cobrou demais de mim
muitas coisas guardadas nas gavetas
vejo contas, cadernetas, bilhetes, carnês,
mas olhando no meio disso tudo
para as cartas que nunca enviei
só agora dou pela falta do desenho
ausência em mim da palpitação
que surgia das palavras rasgadas
que compunham o meu coração.
o vermelho dos pingos de sangue
perderam a cor nesse rastro antigo
impossível segui-los agora
os pingos viraram poeira
mas mesmo assim
meu coração partido em mil pedaços
trincado e cheio de espinhos
nunca deixou de bater por mim.
e agora que eu nem sei onde ele está
tento ouvir as batidas descompassadas
cada vez mais lentas
cada vez mais baixas
cada vez mais longe.
meu coração.
onde está?

Crônica em tom de cantiga de ninar

Somente quando o homem vestido de palhaço sentou no banco atrás do meu, pude perceber que, na verdade, ele era quase um menino. O barulho costumeiro do fim da tarde – sirenes, buzinas e gente gritando lá fora e dentro do ônibus – não deixou que ninguém ouvisse a propaganda das balas, a fala apelativa, os trejeitos desconsertados e a já cansada alegria do homem vestido de palhaço para vender aqueles doces por apenas um real que deus lhe dará em dobro, aquele apelo quase cantado que todos já sabem de cor. Atrás do banco onde eu estava sentada, depois de recolher os doces sem venda alguma, o palhaço logo se acomodou num longo suspiro. Aquela viagem parecia cansativa.
“Nós vamos sobreviver”. Uma voz feminina falou baixinho atrás de mim.
Uma criança, exatamente atrás de mim, parecia brincar com algum objeto. De relance, consegui ver pelo vidro o reflexo do seu rostinho colado na janela, perguntando com as letras trocadas quanto tempo faltava para chegar em casa. O menino vestido de palhaço a chamou de filha, pediu que tivesse calma, que logo estariam em casa. Na verdade, ele não era nem tão menino assim. Sua voz era tímida, carinhosa, quase um acalanto. Uma voz feminina também sussurrava algo parecido com uma melodia, uma cantiga de ninar. A esta altura, não consegui mais evitar. Deixei de observar a paisagem de todo dia que passava pela janela do ônibus para colher aqueles lampejos de sons, músicas e palavras do homem vestido de palhaço, da mulher e da criança sentados no banco atrás de mim.
“Quando eu não estiver mais com vocês, quero que vocês não desistam. Ainda falta tempo, acho que vai demorar um pouco. Enquanto isso, a gente vive como dá, e eu vou cuidar de vocês até quando eu puder caminhar. Depois, aí a gente dá um outro jeito. Mas eu quero que você fale de mim pra ela. Diga a ela que eu a amo e que gostaria de ficar mais pra ver a minha menina crescer. Cuide bem dela. E cuide de você também. Olha só, as balas rendem pouco, mas dá pra tirar algum trocado pra comer. As pessoas gostam de palhaço, palhaço vende mais do que gente de cara limpa, sabe? Hoje não, que o dia não foi bom como você viu, mas nem todo dia é assim. Pintar a cara é a parte mais demorada, tem que caprichar, boca vermelha, olho marcado de preto, bem desse jeito. E tem a roupa, que você improvisa como eu. Com o tempo você acostuma. É uma forma de ganhar um trocado, e depois a gente até pode comprar um isopor pra vender água também. Ah, trate bem os motoristas, são eles que abrem as portas, mas cuidado, porque você é menina. Tem homem que acha que a menina vendendo bala tá querendo vender outras coisas também. Homem não presta. Fique esperta. Fique esperta. E prometa que vai se cuidar.”
A voz feminina, que brincava baixinho com a criança, se calou. O silêncio que rompeu depois desse pedido pareceu durar um trajeto inteiro de viagem. Não se ouvia mais o barulho do trânsito do final da tarde. A música que a mulher cantava cessou, a criança, quase um bebê pra falar a verdade, não falava mais. Poderia ela ter adormecido no colo da mulher.
Levantei-me, pedindo parada. Olhei para trás. Era um homem vestido de palhaço, quase um menino, uma criança, quase um bebê, uma menina, quase mulher. Abraçados uns aos outros, não diziam mais nada. Aquele silêncio, agora também em mim, falava por eles, falava por nós, falava pelo mundo, naquele ônibus cruzando a ponte, emoldurado pelo sol poente sangrando nas águas do Potengi.
Nós vamos sobreviver.

sábado, 19 de maio de 2018

seis de maio

Um beija-flor invadiu meu apartamento. Sim, isto foi a primeira coisa que eu pensei: como é que um beija-flor veio parar aqui no sexto andar? Ele sobrevoou todo o espaço da casa em plena luz do dia, colorido, ligeiro e rasante, entrando nos quartos e logo acompanhando meus passos em voos espirais sobre a minha cabeça. Olhei para o alto, mirei a criatura tentando captar um instante do seu estonteante voo. Tive então uma ideia muito maluca, mais maluca que um beija-flor no sexto andar de um edifício. Levantei meu braço esquerdo com cuidado, fazendo-o de galho, fazendo-me de árvore, mesmo naquela posição da árvore da ioga, pronta para acolher o bicho em seu - ainda que breve - descanso. Porque uma hora ele se cansaria, imaginei. Só que inesperadamente, acreditem, ele pousou lentinho, bem na palma da minha mão. Isso muito me perturbou: como é que pode um beija-flor, logo um beija-flor, pousar assim tão perto de mim? Eu-árvore fui então baixando o meu braço-tronco com a mesma velocidade dos galhos que se movem ao vento, e foi assim que eu o trouxe pra mais perto de mim. Pude então sentir-lhe a respiração, contemplar-lhe o bico pontudo e afiado, suas asinhas diáfanas azul-cintilantes e até a poeirinha de cor que saía delas, colorindo o ar ao redor. Aquilo parecia fumaça, mas era pura cor de um azul que eu nem sei definir. Também não sei explicar o amor que nasceu desse encontro. Num gesto de afeto, coloquei o passarinho contra meu peito e com a outra mão fiz uma conchinha para protegê-lo de tudo ao nosso redor. E eis que de súbito apareceu, também no sexto andar, dentro da minha própria casa, uma coruja amarela em voo rasteiro resvalando nas minhas pernas. Seu ataque quase desestabilizou a árvore que eu era ali naquele momento. A coruja de olhar fixo em minhas mãos claramente ameaçava o beija-flor, mas ele, protegido dentro das conchinhas, bem rente ao coração, nem se dava pelo perigo. Não sei se loucos, alheios ou corajosos diante do risco, nós respirávamos tranquilos em nosso ninho concha coração do tronco frondoso. Espantei a coruja amarela, como eu não sei explicar, talvez balançando meus galhos em sua direção, talvez com um direto e fulminante olhar... por uma questão de sobrevivência. Mas quando dei de novo por mim, beija-flor, coruja, árvore e eu, éramos tudo uma coisa só. No sexto andar de um edifício sem telhados, o sol do meio dia sobre nós, vento soprando em espirais coloridos, todos os pássaros alçando voos, galhos dançando ao vento. E foi no meio de toda essa confusão que eu acordei.

sábado, 5 de maio de 2018

acorda


a corda sempre quebra do lado mais fraco
a corda sempre rompe quando o lado mais forte
parte pra cima e se aparta do lado mais fraco
às vezes sem saber que o todo não tem lados
às vezes sabendo que ao quebrar o lado mais fraco
o mais forte ataca e aparta também
do todo o mais debilitado pedaço
esse do lado de fora
quebrado abatido apartado
que era parte do todo
e agora é mil pedaços
estilhaços de vidro do prédio
corpos estirados no asfalto
restos de vida no passeio público
em invisível retrato.

mudo
o lado mais fraco é quem morre na guerra
mas quando se enxerga como presa de um laço
da corda do tiro do murro
usado pelo lado mais forte
para a guerra pela grana pelo tráfico
esse lado apartado do todo às vezes se rebela
e parte cego pra cima de fortes e fracos
suicida kamikaze que morre mas mata
nem sempre sabendo que na sua cruzada de abate
é sempre os fortes que a História consagra
e para o lado mais fraco o silêncio é a paga.

vencida era a nossa
partida em um milhão de pedaços
tão perdidos no meio de fortes e fracos
éramos um, éramos tantos éramos tudo
- e agora quem somos nós?
- qual a parte que nos cabe?
estamos sós sem laços
tristemente acordados
trapos de corda partidos
morte por todos os lados.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

#noar

dezoito anjos escondem um sol
no meio do caminho passa uma nuvem
a asa curva divide paisagens em linha reta 
discos voadores pairam em rotas de colisão
enquanto os arcos somem no infinito.

domingo, 22 de abril de 2018

{a pena afaga o papel e finge cantos de amor}

quero-te sem razão.
vontade. teu nome me chama.
além de mim, no afã da euforia, quero-te em vão.
rezo à prudência.
rogo que cesse essa querência
porque urge assim não mais te querer
é urgente te esquecer
tanto quanto a mim.
paciência.
quero-te e sei que melhor é não querer
mas sou tão pouco na arte de dominar vontades
que já nem são partes, senão o todo desenhado em mim
pela ausência tua que me invade,
me envolve em seu enleio
e me deserta no fim.
quero-te. mas por tudo o que não és
queria não te querer.
enfim.

domingo, 8 de abril de 2018

um café



Agora percebo muita coisa diferente no lugar. Descubro mais verde, mais jardim, plantas mais altas, algumas cercas separando o pomar da área de passagem, os caminhos cuidadosamente ornados com pedras e tijolos que nos conduzem do portão da rua até a entrada do restaurante. Cercas novas também demarcam o local do estacionamento. Mas a casa continua a mesma, o mesmo alpendre ao redor do espaço interno, os quadros coloridos nas paredes, uma divertida originalidade com jeito de anos setenta, oitenta, noventa e século vinte e um, tudo misturado. É uma casa divertida. A sua porta de entrada dá para uma área central de passagem que liga as duas laterais: do lado direito, a cozinha; do lado esquerdo, uma sala de estar simples e aconchegante, com livros, mesa, um computador. Janelas grandes, sempre abertas, fazem ver a movimentação das pessoas que vieram para o almoço de domingo. Vinte, talvez trinta. Na verdade, não faço a menor ideia.
Lembro, da última vez que estive aqui, de uma música no ambiente, baixinha, algo instrumental, intimista e desconhecido. Hoje a música da casa está por conta de um senhor que chegou ainda há pouco, logo depois de mim. Ele passou carregando uns equipamentos de som e um violão encapado. Então no vão maior do alpendre (não onde me encontro, embora de onde estou eu o veja bem) ele montou todo o som: duas caixas acústicas em pedestais e o violão, tudo ligado a um amplificador portátil. Nesse momento ele está tocando e cantando músicas de um repertório de MPB. Poucas músicas eu não conheço, a maioria delas é conhecida, de Tom Jobim, João Gilberto, Toquinho, Paulinho da Viola... Mergulho então nesse passado gostoso, guiada pela música melodiosa dos dedilhados seguros e da voz gostosa desse senhor.
Quando cheguei, Pedro me recebeu ainda no portão e me levou a uma mesinha que, descobri logo pelo meu sobrenome marcado nela, havia sido carinhosamente reservada pra mim. Perguntei por Larissa, soube que ela estava lá dentro, na cozinha, terminando de preparar os pratos para servir o almoço. Nós três somos velhos conhecidos, tão velhos quanto a idade dos meus filhos. Tão velhos quanto a idade do próprio restaurante. No dia anterior, quando, por telefone, eu lhe pedi o mapa para achar o local, ele me perguntou se eu iria com as crianças. Disse que não. Então acho que ele sabia que eu estava sozinha e devia ainda se lembrar que nas idas assim eu gostava de aproveitar o tempo e aquele ambiente agradável pra relaxar, geralmente lendo ou fotografando as flores dos jardins do sítio. Mas hoje eu cismei de escrever. Sim, é um domingo especial, domingo de feriado. Mas não é bem por isso que eu cismei de escrever. É que a escrita agora me tem sido uma obsessão, tanto que ultimamente me sinto até acompanhada. Acompanhada da caneta, do caderno, e do olhar que quer ser preciso, mas termina por imprecisar as coisas ao meu redor. Tudo exercício de palavras. Às vezes atenta, às vezes dispersa, passeio no caos. Às vezes tanto faz.
Então. Fui conduzida por Pedro a essa mesa redonda e pequena, perto da porta de entrada. Espaço arejado, protegido do sol, margeado por plantas, uma graça de lugar. Sentei-me na cadeira, uma linda cadeira pra chamar de minha, a única naquela mesa. A superfície está forrada com uma toalha de seda branca desenhada de flores em relevo. No centro da mesa, uma garrafa de vidro cheia de água faz as vezes de jarro. Dentro dela, dois galhos de pitanga, cheiro fresco e pontas alaranjadas. Mimos da casa. Agora sob a mesa o jarro improvisado divide espaço com um livro, dois cadernos, meu estojo de lápis e o prato do almoço vazio. Desorganizada harmonia. Já almocei. Comi uma vistosa salada de vários tipos de folhas e grãos, uma seleta de legumes, algumas fatias de pão caseiro com pastas de sabores variados. Uma delas acho que era de grão de bico, a outra era uma pasta de alho muito saborosa. A terceira talvez fosse de gergelim e a quarta parecia um creme de iogurte, mas sei que não era iogurte porque o restaurante é especializado em comida vegana, então entre conhecer o ingrediente e apreciar o seu sabor, fico mesmo com o sabor, desde que seja gostoso. Atraiu-me essa ideia dessa experiência sensorial, presente me dei hoje, domingo festivo. Agora estou eu aqui, uma mão empunhando uma caneta, a outra empunhando uma colher, entretida entre as palavras e as sobremesas, ouvindo esse homem de voz doce cantando e tocando seu violão.
Na minha frente, bem na curva do alpendre, há outra mesa redonda, maior que a minha, ocupada por um senhor, uma senhora e duas mulheres mais novas que eles. Uma delas, a mais falante, está grávida, já com a barriga bem aparente sob a bata branca. Há ao lado dela uma cadeira vazia, talvez de uma quinta pessoa ausente nesse momento. Eles ainda estão almoçando. Com semblante feliz e fala sorridente, a moça tenta explicar, com base em suas mais recentes experiências, as alegrias e tristezas desse interessante evento chamado gravidez. Nessa hora Pedro passa por nós perguntando se estamos bem, se nos falta alguma coisa. Entra na cozinha e logo depois retorna com uma garrafa branca. É o chá. Deixa-a então ao lado da outra garrafa, a garrafa preta, de café, junto das pequenas xícaras, das colherinhas mergulhadas em um copo com água, do açúcar e do adoçante, todo esse conjunto sob um console cuidadosamente forrado com um delicado pano de renda, bem perto das nossas mesas.
A moça grávida começa a contar como foi o seu início do dia de hoje, narrando com mensurados pormenores, uma a uma, todas as coisas que fez antes de chegar ao restaurante. A ordem dos fatos e a graça dos detalhes me chamou atenção. Levantei às oito, tomei café com torradas, duas torradas, depois tomei um banho porque está muito calor nesses dias, dei comida pro gato, coloquei a roupa na máquina de lavar, pedi ao meu filho que se apressasse porque não queria chegar atrasada, combinamos estar aqui meio dia em ponto, peguei vocês no caminho, aqui estamos nós, a vida é corrida, nossa, como o tempo passa depressa, então tá, daqui a pouco vamos embora. O casal de velhinhos presta tanta atenção que chega a parar de comer. Até os garfos e as facas pousados sob seus pratos parecem esperar pelo relato da moça grávida. E eu não sei quanto às outras grávidas do mundo, mas aquela grávida ali claramente virou o alvo de todas as nossas atenções no momento. A moça agora está falando da vontade louca que teve de comer tapioca hoje pela manhã. Conta nos dedos quantas horas pra trás isso aconteceu, e olha para o lado, chamando a atenção do menino que brinca no jardim, bem próximo ao alpendre, entre a minha mesa e a mesa onde eles estão. Então a cadeira vazia deve ser desse menino, um menino de seus seis anos no máximo. A criança é o seu filho, o filho que, entre a comida dos gatos e a roupa na máquina de lavar, deve ter se apressado pra não atrasar a mãe. Nesse instante, a outra mulher jovem, não tão jovem quanto a moça grávida, também se lembra das suas agruras de gravidez. Relata os enjoos, os incômodos, o quanto de tempo que dura essa etapa mais curta e sofrida da feitura de um bebê dentro do corpo da mulher. Depois do primeiro trimestre tudo é festa. Nem tudo meu bem, tem o parto, não se esqueça. A mulher mais velha ouve e faz sinal com a cabeça, concordando com elas.
Pedro passa por nós. A música recomeça. A conversa ao lado continua. Voz e violão, cantigas melodiosas de antigamente, não tão antigamente assim, mas de um tempo já perdido nas eras dessas incontáveis horas, dias, anos e décadas que passam rápido demais. As letras das músicas agora se misturam com as vozes ao lado, entre relatos sobre as idas ao médico e os exames de rotina. Reconheço Cartola me lembrando que as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti. Um rapaz vai ao console, tenta se servir de café e percebe que a garrafa preta está quase vazia. O café acabou, grita Pedro para a cozinha. Bate outra vez com esperanças o meu coração. E faltam seis semanas para o parto, mas está fazendo um calor insuportável nesses dias, nessa noite acordei pingando de suor. Olha, está saindo um cafezinho maravilhoso, chega já. Dedilhados de violão. Ainda é cedo, amor, preste atenção, o mundo é um moinho. Risos atrás de mim. Larissa se aproxima e me pergunta como estou. Estou bem, tentando escrever. Gritos das crianças também fazem música. Você abusou, tirou partido de mim, abusou. Olha que chegou o café novo. Mamãe, vamos pra casa? Ao meu lado, mãos de homem seguram uma xícara de café verde. Xícara verde. Não café verde. Você abusou, tirou partido de mim, abusou, mas não faz mal, se o quadradismo dos meus versos vai de encontro aos intelectos. Será quadradismo mesmo? Que palavra estranha. Pernas cruzadas, xícara verde nas mãos, Pedro passa por mim novamente. O sol está forte, tomara que o trânsito esteja tranquilo e que a gente chegue logo em casa, porque esse calor está insuportável. Será a gravidez? E me perdoe se eu insisto nesse tema, mas não sei fazer poema ou canção que fale outra coisa que não seja amor. As xícaras são diferentes, todas tão diferentes, cores, tamanhos e formas diferentes. Xícaras de chá e de café, todas diferentes. Foi um grande prazer recebê-los, diz Pedro ao se despedir de outro casal, não o casal de velhinhos que está na minha frente. Outro casal. O cheiro do café está ótimo. Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é a menina que vem e que passa. Pedro passa por mim, mas volta, parando na minha frente. Ele fica admirado com a minha letra e com a velocidade da minha escrita. Ah, porque estou tão sozinho, ah, porque tudo é tão triste. Sorrio sem graça. Se ela soubesse que quando ela passa o mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor. O músico termina sua apresentação e agradece à plateia. Aplausos. Eu não aplaudo, caneta na mão. A plateia vai em peso para o console, todos agora se aglomeram em torno da garrafa preta. Xícaras coloridas. A música dos gritos das crianças. Decido então que eu também quero café. Fim da escrita.

Natal, 01/04/18.

(ps.: a foto é antiga, mas o lugar é o mesmo)